“Isso é um milagre!”

Foi assim que o Nelson Ayres falou ao final de um dos primeiros concertos da turnê. Ele tinha escapado para a platéia entre as músicas que tocava e voltou com esta frase que diz tudo.

Todo este projeto é único pra mim.

Primeiro, as canções. Em 2004 eu pedi ao Guinga e ao Paulo César Pinheiro para escutar o “baú” das canções da parceria deles que ainda estavam inéditas. Os dois foram parceiros de uma produção incrível entre os anos 70 e 80, a parceria se desfez e muitas das canções ficaram guardadas. Na minha pequena discografia, eu já tinha gravado duas canções dessa parceria (Senhorinha e Saci) e tinha por ela uma enorme identificação.

Em uma noite na casa do Paulinho Pinheiro e da Luciana Rabello, eu finalmente escutei parte destas canções e eu desmontei. Tinha plena consciência da importância daquele material e da sorte de ter acesso a ele. Um presente muito precioso que tinha que ser tratado com muito cuidado, muito amor e muita responsabilidade.

Demorei 10 anos pra saber como realizar este projeto. Me senti pronta pra ele depois do Alma Lírica Brasileira.

Eu e o Teco Cardoso, (produtor do Alma Lírica e do Corpo de Baile), entendemos que para apresentar estas canções, todas de uma mesma parceria, muitas inéditas (porque acabei escolhendo também canções que tinham sido gravadas em vinil e em tiragens pequenas, com a única excessão do Bolero de Satã – gravado maravilhosamente pela Elis Regina com participação do Cauby Peixoto), seria bonito “vesti-las”em mim através de personalidades musicais de alguns arranjadores.

Assim, convidamos músicos incríveis, todos à partir da nossa admiração profunda; e arranjadores que, para nós, eram identificados com as canções escolhidas.

Este cd era mais robusto do que meus trabalhos anteriores, com mais músicos, com arranjadores… Eu agradeço imensamente à gravadora Biscoito Fino por ter topado fazê-lo.

Depois do cd lançado, eu e o Teco não conseguíamos conceber um show dele reduzido à uma formação pequena e mais viável. Os arranjos eram parte da concepção do trabalho. Seria uma perda de identidade abrirmos mão deles. Problemão.

Foi quando fomos assistir a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal sob a regência de John Neschling, fazendo um concerto de Respighi, com a participação do grupo teatral La Fura Dels Baus, com um material em vídeo que foi projetado sobre duas telas de tule, colocadas uma à frente da Orquestra e outra ao fundo do palco. A Orquestra tocando no palco, “dentro” das imagens projetadas (por conta da transparência do tule) foi um acontecimento!

Depois disso, eu comentei com o Walter Carvalho, (que dirigiu o DVD Alma Lírica e virou nosso amigo pra sempre) sobre o estado de encantamento que o concerto tinha me provocado e perguntei a ele se ele toparia fazer algo assim, caso eu conseguisse patrocínio pra realização de uma turnê do Corpo de Baile. E ele topou! Coisa de maluco!

Desenhamos, então, o projeto da turnê: 25 apresentações por 11 capitais, com 9 músicos no palco; todos incríveis solistas. Formamos uma equipe técnica maravilhosa. 16 pessoas viajando, bastante equipamento, produção do material em vídeo, tela de tule, linóleo…. um circo grande e pesado. Só mesmo um milagre.

O projeto foi aprovado e, pra nossa felicidade, a parceria ocorrida na turnê do cd Noites de Gala com o Bradesco se repetiu. Tenho uma enorme gratidão ao Bradesco por conta disso.

Walter Carvalho, mergulhou na criação e produção do vídeo-cenário, mesmo sem entender direito o que ele seria quando somado à gente no palco. Um tule entre os músicos e a platéia, imprimindo sobre os músicos imagens e texturas. Música à música.

Ele criou aquilo que pensávamos: um veículo de magia e de poesia através do qual a música é comunicada. Uma coisa linda, muito mais do que eu merecia.

No final do primeiro ano da turnê, conversei com o Waltinho sobre filmar os dois shows em Belo Horizonte. Não tínhamos qualquer plano de que este material pudesse vir a ser editado; mas pensei que seria bonito deixar o show filmado e ver depois o que poderia ser feito, mesmo sabendo que o olho humano vê a sobreposição do video no tule sobre os músicos de uma forma diferente da lente da câmera. Então, a proposta do Waltinho foi: “vamos fazer uma leitura criativa deste show, usando a captação de imagens através do tule e atrás dele e do conteúdo da criação do vídeo-cenário. Não sabemos o que vamos fazer, mas vamos fazer uma coisa bem legal”. 

Acabada a turnê, apareceu a possibilidade de oferecermos ao selo SESC a finalização deste material e o lançamento dele em DVD. Enorme felicidade pra mim e para os músicos, que poderíamos, finalmente, ver o que fizemos!

Muito obrigada ao Selo Sesc pela conclusão deste sonho!

Muito obrigada a todos os envolvidos, em especial à família que se formou nestes dois anos pelo nosso tempo juntos e pela música linda que tivemos a sorte de fazer. E ao Waltinho, muito além do que eu mereço.

Mônica Salmaso